29 jul 2022
Coleção Noite dos MuseusArte, história e arquitetura – tudo em um mesmo e inusitado lugar, que guarda memórias marcantes da história, da sociedade e da cultura no Rio Grande do Sul
Para a maioria das pessoas, os cemitérios evocam perda, tristeza e luto. Afinal, são lugares que representam o fim do ciclo da vida, onde estão descansando nossos entes queridos. Mas você já pensou que o cemitério é um local que também abriga relatos, memórias e obras de arte, representando muito das características de uma comunidade e seu passado? Pois passear por entre sepulturas, mausoléus e esculturas fúnebres pode revelar curiosidades preciosas para quem se interessa por história, arquitetura e arte.
Em Porto Alegre, o Cemitério da Santa Casa de Misericórdia é o mais antigo em atividade no Sul do Brasil – o lugar foi inaugurado em 1850 e segue funcionando até hoje. Localizado no alto da Colina da Azenha, o cemitério, além de realizar enterros, oferece uma atividade cultural especial que sempre encanta quem participa: uma visita guiada pelos túmulos.
Cemitério é para quem foi ou para quem ficou?
Visitar um cemitério fora de uma situação ligada à morte é, com certeza, uma opção de lazer inusitada – e um dos principais motivos dessa estranheza é a forma como lidamos com a finitude da vida e, consequentemente, com espaços relacionados a esse processo. Por exemplo, há quem utilize o termo necrópole, palavra de origem grega que significa “cidade dos mortos”, para designar cemitério. Porém, hoje existem pensadores que refletem sobre como um cemitério é também um lugar de vivos. Isso porque, ao celebrar aqueles que morreram, constroem-se diferentes formas de preservar a memória daquelas pessoas, da cultura delas e de bens e interesses que para elas seriam importantes – e esses artefatos são elaborados por aqueles que ainda estão aqui. Ou seja: são os vivos que criam o espaço dos mortos e cultivam a memória deles.
A importância religiosa no diálogo entre a vida e a morte também é uma questão importante no que se refere a cemitérios – como a crença na vida eterna, que é uma premissa presente para fiéis cristãos. Para a religião católica, a vida eterna caracteriza a ligação entre o sagrado e o profano, que representa a simbiose entre o mundo celestial e o mundo terrestre. Assim, a preparação do túmulo e a preservação desse espaço físico assume um papel primordial para quem compartilha do pensamento de que o que fica é uma extensão de quem foi.
A religiosidade nos detalhes
Como espaços importantes para religiosos, cemitérios passaram também a serem conhecidos por carregarem alegorias. As alegorias são “coisas que representam outras coisas” e podem ser bens materiais como estátuas, desenhos ou pinturas que expõem uma ideia. No Cemitério da Santa Casa, existem diversas alegorias cristãs representadas por esculturas, como a do Juízo Final. Essa estátua tem a forma de um anjo que segura uma trombeta que, de acordo com a crença cristã, é o instrumento utilizado para acordar os mortos no dia do Juízo Final.
Um pouco da história sul-rio-grandense preservada em jazigos
Para além das características religiosas que o cemitério reserva, grandes figuras da história do Rio Grande do Sul se encontram sepultadas no Cemitério da Santa Casa. Alguns dos nomes importantes são o líder político e jornalista Júlio de Castilhos (1860-1903), o senador José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915), o cantor e compositor Teixeirinha (1927-1985) e o artista plástico Iberê Camargo (1914-1994), entre diversos outros personagens de relevância histórica e cultural.
Túmulo do artista plástico Iberê Camargo (1914-1994) no Cemitério da Santa Casa de Misericórdia, Porto Alegre-RS/ Mariana Bier
Túmulo do senador José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915) no Cemitério da Santa Casa de Misericórdia, Porto Alegre-RS / Mariana Bier
Túmulo Teixeirinha (1927-1985) no Cemitério da Santa Casa de Misericórdia, Porto Alegre-RS / Mariana Bier
Túmulo de Júlio de Castilhos (1860-1903) no Cemitério da Santa Casa de Misericórdia, Porto Alegre-RS / Mariana Bier
Para os apreciadores da arte e da arquitetura, o cemitério também tem muito a oferecer. Jazigos com características da arquitetura greco-romana são alguns dos que chamam a atenção de quem visita o espaço. Hoje, o Cemitério da Santa Casa abriga cerca de 40 mil jazigos, além de seis capelas para velório.
Visita guiada para a comunidade surda
No último dia 13, o projeto Noite dos Museus, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, em parceria com o Centro Histórico-Cultural Santa Casa, promoveu uma visita guiada ao cemitério Santa Casa de Misericórdia direcionada à comunidade surda da Escola Estadual de Ensino Médio Para Surdos Professora Lilia Mazeron. Com intérpretes de Libras da Para Todos Acessibilidade, acompanhados de monitores, foi possível explorar o espaço que o cemitério abriga. Estudantes curiosos da 7° série do fundamental até 3° ano do ensino médio, com idades entre 13 a 30 anos, aproveitaram a presença dos intérpretes, e fizeram diversas perguntas sobre as diferentes alas do cemitério, as jazidas do local e as histórias que atravessam gerações no cemitério da Santa Casa, um museu a céu aberto.
Quem quiser contemplar esse legítimo museu a céu aberto pode agendar sua visita pelo e-mail educativo.chc@santacasa.org.br ou fone (51) 3214-7370. As visitações ocorrem de segunda a sábado, nos turnos da manhã e da tarde. Além disso, as visitas são gratuitas para instituições públicas de ensino.