10 mar 2022

Arte

Cultura para bebês: a importância do acesso à arte na primeira infância

Não é de hoje que se sabe que, quanto mais cedo uma pessoa passa a ter acesso à arte, melhor seu desenvolvimento cognitivo, sua capacidade de adaptação e seu processo de autoconhecimento. Música, artes plásticas, teatro e dança não são atividades feitas para e por adultos, mas também para crianças e bebês na primeira infância.

Para entender mais como a arte e a cultura podem ajudar no desenvolvimento de crianças na primeira infância – e como essa inclusão dos bebês no processo de exposição a essas expressões culturais pode colaborar com o convívio neste momento de pandemia -, conversamos com Raquel Grabauska, que coordena o grupo de teatro infantil Cuidado que Mancha e a escola de arte Espaço Cuidado Que Mancha.

  • Quais são os benefícios de expor crianças e bebês à arte desde cedo? Existe alguma idade mais indicada para começar esse contato?

Há uma questão, no que eu acredito sobre arte: cada idade tem uma leitura diferente de um espetáculo artístico. Estudei bastante sobre isso, mas para mim as coisas mais interessantes aconteceram na prática. Quando estava grávida do meu primeiro filho, fiz um espetáculo de Bach para crianças. A gente repetia as músicas, e eu comecei a perceber que uma das músicas, todas as vezes que a gente ensaiava, meu filho se mexia na barriga. Nas cinco primeiras vezes, eu pensei “mais uma mãe pensando que a gravidez é um processo mágico…” Depois me dei conta de que, sim, é um processo mágico, mas que tem um aspecto científico. Meu filho foi megacobaia, e a partir dessas experiências comecei a observar essas relações. Quando começamos o Espaço Cuidado que Mancha, trabalhamos muito com bebês, fizemos oficinais para bebês. Percebemos legitimação das emoções, possibilidade da experimentação da elaboração de sentimentos e descobertas. Se tu dá para uma criança uma bacia cheia de elementos, algo mais gelatinoso, algo mais duro, e esse tatear que a arte oferece ao bebê diversas experiências. É um festival de descobertas, de autonomia, autorregulação. A arte abre um portal para o mundo de uma forma muito sensível e verdadeira, isso é o mais legal. As crianças lidam com seus medos, suas curiosidades, de um jeito protegido. Ele não precisa descobrir que a parede é dura dando uma cabeçada na parede, pode experimentar, ter acesso a cores, formas… A arte faz com que a criança cresça sabendo que menino não precisa usar azul, menina não precisa usar só rosa. A expressão que a arte promove intuitivamente precisaria de horas de lições e discursos para ser transmitida.

  • A pandemia tem sido um desafio ainda mais especial para crianças pequenas que precisam lidar com o confinamento. Como a arte pode ajudar nesse momento?

A pandemia é um desafio para as crianças e também para nós, adultos. A arte é a nossa fuga, com ela podemos viajar. Não podemos pegar avião, então a arte te oferece essa possibilidade. Vamos fazer com as crianças jogos corporais, para eles brincarem, expressarem raiva, interagirem, para terem movimentação. Essa foi uma visão que eu sempre tive como artista, educadora, mãe e ser: a necessidade de outras interações que não sejam a tela. Em 2003, tivemos um programa de rádio para crianças e já era muito forte isso: as pessoas diziam que era legal existir algo que não era pela tela. Hoje em dia, a tecnologia é uma salvação, nos permite seguir no mundo, sair um pouco das trevas, mas a arte faz isso com mais liberdade. Dançando, pintando, cantando, fazendo cenas, você interage com o mundo de uma forma mais ativa. A arte exige uma não-passividade que é muito interessante neste momento de pandemia. Possibilita à criança enxergar o mundo pelos olhos dela, e não só pela tela. Poder desligar tudo e experimentar com o seu próprio corpo, com a sua intensidade, sem a condução e a barreira que o computador ou o celular exigem.

  • Como a Cuidado que Mancha vem trabalhando durante a pandemia? Tem produzido ou a quarentena dificultou muito o trabalho?

O grupo faz 26 anos em 2021 e temos cerca de 14 espetáculos em repertório, com seis bem frequentes na nossa programação. Chegamos a fazer 200 apresentações em um ano, mas isso vinha minguando por ausência de políticas culturais. Vínhamos sentindo um impacto bem grande. A pandemia, além de tirar a possibilidade de fazermos espetáculos, nos deu uma sensação de “por que vamos criar algo agora?”. O primeiro edital a que concorremos era do FAC, por ordem de inscrição, e aquilo mexeu muito comigo: íamos concorrer uns com os outros, em um momento em que podíamos dividir entre todos que estavam na mesma situação. Não é época de competirmos, mas de dividir. Se, mesmo passando por tudo isso, não conseguirmos ter essa visão… Fiquei em um dilema ético. Escrevi um texto para o edital chamado “Não me peça para ser criativa”. Como que, no meio de tudo que estamos vivendo, eu tenho que ter uma ideia supercriativa e, no fim, ganhar porque fui mais rápida do que os outros? Entendendo que teria que ser assim por muito tempo, começamos a pensar em outras formas. Sempre fomos mais analógicos, porque sempre tínhamos muita coisa para fazer. Abrimos o espaço, recebemos outros projetos, integramos outras pessoas, promovemos encontros, outras linguagens. Então nunca demos conta de colocar as coisas no YouTube, mas agora na pandemia começamos. Criamos o Cuidado que Mancha Na Tela, um programete sem muita pretensão, que surgiu como forma de lidar com essa ausência. Recuperamos alguns programas do Ouvindo Coisas, que era o programa de rádio, para as crianças ouvirem de novo.

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