29 set 2021
Arte
Referência internacional em arte popular brasileira, o Museu do Pontal vai inaugurar sua nova sede no próximo dia 9 de outubro, no Rio de Janeiro. Com mais de 9 mil obras de 300 artistas, o maior acervo do gênero no país ocupará um prédio moderno na Barra da Tijuca. O novo prédio contam também com um café/restaurante e uma loja.
O edifício de 2,6 mil metros quadrados de área construída, projetado dentro do conceito de sustentabilidade pelos Arquitetos Associados – responsáveis por algumas galerias do centro de arte contemporânea Inhotim, em Minas Gerais –, está assentado sobre um terreno de 14 mil metros quadrados, consolidado e livre de inundações, dando segurança ao raro e singular acervo do Museu do Pontal. O terreno abrange 10 mil metros quadrados de área verde, com vista aberta para parte do conjunto de montanhas conhecido como Gigante Adormecido, que vai da Pedra da Gávea ao Pão de Açúcar. A nova sede do Museu do Pontal está 20 quilômetros mais perto do centro da capital fluminense do que a antiga sede histórica, e fica próxima ao Bosque da Barra e vizinha ao condomínio Alphaville.
Com paisagismo assinado pelo Escritório Burle Marx, a nova sede será inaugurada com uma área verde que compreende jardins internos e no entorno do edifício e uma praça, onde haverá atividades ao ar livre. Essa área verde exigiu dezenas de milhares de mudas de 73 espécies nativas brasileiras – de árvores frutíferas e vegetação tropical às paisagens da caatinga. Várias espécies foram transplantadas da sede histórica do museu para a nova.
Criado em 1976 pelo artista e designer francês Jacques Van de Beuque, o Museu Casa do Pontal ganhou esse nome por conta de sua localização, em um terreno de 5 mil metros quadrados na região conhecida como Pontal, no Recreio dos Bandeirantes, parte final da extensa orla da Barra da Tijuca. Ainda em 1976, Van de Beuque apresentou no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro a exposição A Arte do Viver e do Fazer, com as obras que havia reunido nas várias viagens realizadas pelo país, desde a década de 1950, em sua pesquisa que deu a devida visibilidade, no Brasil e no exterior, à produção de artistas de localidades pobres e distantes dos centros econômicos do país, revelando a excelência do que se passou a chamar de arte popular.
Uma série de inundações de 2010 a 2020 colocou em grande risco o acervo do Museu do Pontal – e a inauguração de sua nova sede é o resultado de um longo caminho de negociações com o governo municipal, que cedeu em 2015 o terreno, e o apoio de empresas e pessoas físicas.
Em abril de 2019, ocorreu a sexta e mais grave inundação, com um grande volume de água barrenta tomando os corredores do museu. O episódio só não pôs fim ao acervo por conta da rapidez de funcionários e ex-funcionários que conseguiram retirar as obras que estavam prestes a serem atingidas pelo alagamento.
O fato chocou cariocas e amantes do Museu do Pontal e da arte em geral. A direção do Museu Casa do Pontal decidiu então desenhar novas estratégias, entre elas a de assumir a finalização da obra, lançando uma campanha de financiamento coletivo, que criou uma rede de mais de mil apoiadores e entusiastas.
De 3 de outubro a 8 de novembro de 2020 foi realizada a exposição Até Logo, Até Já, uma despedida para o público da sede histórica no Pontal. Em seguida, o acervo foi transportado em segurança para a nova sede na Barra. “Esta é uma vitória da arte, da cultura, e da imensa rede colaborativa que mantém viva esta coleção única”, celebram Lucas Van de Beuque e Angela Mascelani, dupla responsável pela direção do Museu do Pontal.
Nova sede será aberta com seis exposições
O conjunto das exposições inaugurais se chama Novos Ares: Pontal Reinventado. São seis exposições, uma de longa duração e cinco temporárias, que reúnem 700 conjuntos de obras, com um total de cerca de 2 mil peças.
A curadoria é assinada por Angela Mascelani, diretora artística do Museu do Pontal, e por Lucas Van de Beuque, diretor executivo, com a colaboração da designer Roberta Barros e do arquiteto Raphael Secchin no desenho expositivo, pesquisa de Moana Van de Beuque e coordenação de conteúdo de Fabiana Comparato.
Em meio às exposições, o público verá a riqueza da arte popular por meio de vídeos e textos poéticos, além de depoimentos de personalidades como Gilberto Gil, Dona Isabel, Ailton Krenak e José Saramago. O percurso expositivo de mil metros quadrados terá cores e aberturas em suas paredes, que permitem vislumbrar uma perspectiva do amplo espaço.
Novos Ares: Pontal Reinventado abrange obras do acervo do museu e de importantes coleções convidadas. A exposição de longa duração faz uma homenagem à proposta original de apresentação das obras do Museu do Pontal criada por seu idealizador e fundador, Jacques Van de Beuque (1922 – 2000), que estabeleceu uma maneira própria e inovadora para apresentar o Brasil profundo revelado por seus artistas populares. Essa concepção foi revisitada à luz de 2021, com uma nova compreensão dos ciclos criados por ele, que apontavam as transformações do Brasil com a migração da área rural para a cidade.
Em torno da exposição central estarão cinco outras exposições nucleares e temporárias, focadas na diversidade da produção artística do país, com esculturas que dialogam com temas fortes da cultura brasileira, a partir dos olhares originais de seus autores.
- Brincares – Brincadeiras e brincantes
Obras interativas e cinéticas, como Circo, de Adalton Fernandes Lopes (Niterói, 1938 – 2005), e os brinquedos de madeira de Antonio de Oliveira (Minas Gerais, 1912 – 1996). O local terá uma arquibancada lúdica, apropriada para estimular a curiosidade das crianças, com provocações e instigações.
O acervo de mamulengos também abrirá espaço para pequenas encenações de teatro de bonecos. Em uma área contígua haverá jogos digitais interativos, para adultos e crianças. A sala de jogos trará desafios ligados às danças brasileiras, como frevo, jongo, carimbó, chula e funk.
- Terra/Terra – O Jequitinhonha e suas tradições
Nesse espaço que aposta em um aprofundamento na dimensão matérica das obras, o destaque são os artistas, em especial Noemisa Batista (1947), Dona Isabel Mendes da Cunha (1924 – 2014) e Ulisses Pereira Chaves (1929 – 2006).
- Entre beiras e margens – Fogo, água, ar
Artistas do Alto do Moura, em Pernambuco, como Mestre Vitalino (1909 – 1963), mostram em suas antológicas esculturas em barro a importância do fogo na feitura da cerâmica. Barcos trazem a energia primordial das águas do mar e do Rio São Francisco, com as carrancas de Mestre Guarany (1884 – 1985).
Outros seres mitológicos como as sereias e os barcos de presente a Oxum estão nas obras de Zezinho de Arapiraca, Selvino (1941) e Tamba (1934 – 1987), da Bahia. Nhô Caboclo (1940), de São Paulo, e Laurentino (1937), do Paraná, com suas obras eólicas, que aludem à energia dos ventos.
- Poética da criação
Artistas cujas obras escapam às primeiras apreensões, fugindo aos temas consagrados historicamente na arte popular, reúnem-se nesse setor. São seres fabulosos, personagens fantásticas, criações ímpares.
Nesse espaço, há um diálogo maior entre as obras reunidas por Jacques Van de Beuque no Museu do Pontal e outras coleções convidadas, criadas tanto por indivíduos apaixonados por arte popular – como Irapoan Cavalcanti, Jorge Mendes e Jairo Campos, entre outros, como por acervos vindos de importantes instituições brasileiras, como SESC-SP e Itaú Cultural. Os destaques são Manoel Galdino (1929 – 1996), do Alto do Moura (PE), GTO (1913 – 1990), de Minas, e Nino (1920-2002), de Juazeiro do Norte (CE), além de artistas inovadores da Ilha do Ferro, em Alagoas.
- Devoções
Em uma leitura livre e abrangente, esse setor apresenta a diversidade de expressões da fé e os artistas vinculados às devoções populares, incluindo sua dimensão festiva. Os destaques, além dos ex-votos, são os artistas Otávio e seus orixás, Mestre Didi (1917), da Bahia, e sua estética afro-brasileira, e Zé do Carmo (1934), de Pernambuco, com seus anjos negros.
Uma sala especial reúne presépios – incluindo um depoimento sensível de Caetano Veloso sobre suas memórias de Natal. No trajeto, um encontro com as grandes engenhocas cinéticas de Adalton Fernandes Lopes: a Vida de Cristo e o Carnaval no Sambódromo.