19 out 2020
ArtePor Gustavo Foster
Houve um tempo em que nos reuníamos para dar o play em um disco e escutá-lo até o final – para os mais românticos, tendo que girá-lo no momento da troca do lado A para o lado B. Pois os amantes do deep listening, ou da audição cuidadosa, levando em conta a ordem das faixas e indo do início ao fim de um disco, têm cada vez mais opções de podcasts especializados, caso de A História do Disco, da comunicadora e artista Bruna Paulin, e Discoteca Básica, do jornalista Ricardo Alexandre.
Em um momento em que o acesso físico a expressões artísticas está suspenso, a internet se apresenta como ferramenta importantíssima para que artistas, produtores e profissionais da cultura se mantenham ativos e participantes de um mercado vivo. São essas iniciativas colaborativas, que unem pela internet pessoas em um objetivo em comum, que a seção Tá na Rede vai destacar.
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No caso de Bruna Paulin e Ricardo Alexandre, a plataforma podcast surge como espaço de discussão e análise profunda de obras musicais completas. Alexandre, ex-editor da revista musical Bizz, elenca no episódio piloto de seu podcast, números que mostram que a promoção cada vez mais abundante de conteúdo no mundo digital cria também uma demanda por produtos de fruição menos instantânea, como discos de vinil.
“Pensei em alguns formatos nos últimos dois anos, mas a pandemia me levou a procurar um formato que eu conseguisse executar totalmente dentro de casa. O podcast é também fruto de uma reflexão grande sobre as possibilidades do jornalismo de música no século XXI. Comecei em uma época em que existia o mercado físico, pelo qual as pessoas pagavam. O disco era um objeto comercial, e boa parte da imprensa de música era baseada no acesso limitado que os profissionais tinham aos discos e aos artistas. Isso não existe mais, qualquer um pode ter acesso às músicas em streaming, e os artistas, via de regra, têm seus próprios canais preferenciais de comunicação. Cheguei à conclusão ou à inclinação de que a redescoberta do suporte físico, o deep listening, a audição com intencionalidade, o ressurgimento do vinil são sinais de que há um caminho e um grupo de pessoas com quem conversar. Foi aí que surgiu o formato do Discoteca Básica“, explica o jornalista, que nos primeiros seis episódios fala sobre “a história e as histórias”, como ele diz, de álbuns históricos: Pet Sounds, dos Beach Boys, After the Gold Rush, de Neil Young, Abraxas, de Santana, Rita Lee, de Rita Lee, Remain in Light, do Talking Heads, e What’s Going On, de Marvin Gaye.
O amor à música e a vontade de produzir algo durante a pandemia também foram elementos que estimularam Bruna Paulin a produzir o seu A História do Disco, que além de discutir aspectos técnicos e a relevância histórica de lançamentos musicais, debruça-se também no aspecto emocional dos discos: como álbuns impactam na vida de cada um:
“Comecei a produzir, editar e fazer locução de podcasts no início deste ano, como uma alternativa de trabalho por conta da pandemia. Inicialmente fazia programas para clientes, como CHC Santa Casa e Casa de Cinema de Porto Alegre. Mas a vontade de produzir algum conteúdo sobre música e discos está sempre presente, pois são duas grandes paixões e assunto de pesquisas minhas desde muito tempo. Lá por agosto, conversando com uma amiga que estava me prestando uma consultoria, ela me provocou e surgiu a ideia: falar sobre discos e suas histórias, mas trazer para o lado pessoal e emocional das pessoas, que é o que nos conecta com a música, no fim das contas. A partir daí tudo fluiu bem fácil e rapidamente. Aproveitei parte das minhas pesquisas do mestrado, onde escrevi uma dissertação sobre a construção de imagens dos Beatles e dos Stones para roteirizar o primeiro episódio, que traz minha história com With the Beatles, o primeiro álbum dos Beatles que ouvi, aos cinco anos de idade e que mudou totalmente minha relação com a música”, explica ela, que recebeu convidados para falar sobre Estrangeiro, de Caetano Veloso, Antônio Brasileiro, de Tom Jobim, The Köln Concert, de Keith Jarrett, Ella Fitzgerald Sings the Cole Porter Songbook e Tug of War, de Paul McCartney.
No primeiro episódio do podcast, o único sem convidado, Bruna fala sobre With the Beatles e resume as motivações que a levaram a fazer um podcast neste estilo: “Eu tinha quatro ou cinco anos, meu pai chegou do supermercado com quatro discos, Help, A Hard Days’ Night, Abbey Road e With the Beatles. A partir dali, minha vida e minha relação com a música mudaram completamente.” Neste sentido, ela vê no gosto por podcasts uma semelhança com o amor por discos
Quem começa a colecionar vinis tem um comportamento bem apaixonado e empolgado que vejo em quem consome podcasts no geral. Mas o tema que se sobrepõe é o da música. Eu amo vinis, mas também adoro fazer playlists, por exemplo. São experiências de consumo totalmente diferentes. Mas é pelo streaming, por exemplo, que acabo descobrindo novos sons e artistas, que aí eu vou buscar em vinil. Acredito que o público que ouve A História do Disco tenha um interesse direto por música e entrevistas e talvez se cruze com o público dos vinis. Mas sei de ouvintes que amam música mas não tem um álbum físico em casa. O amor maior é pela música, independente do suporte em que ela está”.